Hannah Krüger Rodor Fontana André Cogo Campanha
Resumo
O presente artigo se propõe a trazer à luz um tema pouco explorado pela Doutrina, e que a Jurisprudência Pátria tem se debruçado esporadicamente (na maior parte das vezes de forma assertiva). Ao nosso ver, a pouca atenção conferida ao instituto do resgate de recursos portados de planos de benefícios previdenciários de entidades fechadas para entidades abertas (desde que observada a carência prevista em contrato), se dá em razão da falta de clareza com que tais regras são repassadas ao Consumidor pelas Instituições bancárias, bem como pela errada interpretação da Lei Complementar nº 109/2001, sobretudo do artigo nº 14, §4º, que quando lido de modo isolado e apressado tem levado, há quase 02 (duas) décadas, à falsa crença de que recursos portados de planos de benefícios previdenciários de entidades fechadas para entidades abertas, não podem ser resgatados por seu titular, o que conforme será demonstrado, pode ser facilmente superado com a correta hermenêutica da Lei, o que já foi feito por diversos Julgadores, de modo a permitir que Consumidores até então lesados, resgatassem seus investimentos.
Palavras-chave: Plano de benefício previdenciário. Portabilidade. Entidade Fechada. Entidade Aberta. Resgate. Possibilidade.
Introdução
A Lei Complementar nº 109/2001 é a lei orgânica da previdência complementar, que trata de todos os aspectos gerais desse regime protetivo, tanto aberto como fechado.
Pois bem, a previdência complementar abrange a previdência complementar fechada e a previdência complementar aberta.
As entidades fechadas, especificamente, “são aquelas acessíveis (…) I – aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, antes denominados patrocinadores; e II
– aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou
setorial, denominadas instituidores” (art. 31 da LC 109/2001).
A denominação de entidades fechadas é conferida pois são voltadas para um grupo restrito de pessoas, que deverão possuir um vínculo comum associativo, profissional ou sindical, enquanto as enquanto as entidades abertas “são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e têm por objetivo instituir e operar planos de benefícios de caráter previdenciário concedidos em forma de renda continuada ou pagamento único, acessíveis a quaisquer pessoas físicas” (art. 36, caput).1
Não raramente, seja em razão de desligamento do Ente público ou privado em que laborava até então, o beneficiário de um plano de previdência fechada se vê diante da possibilidade de efetuar portabilidade de seus recursos para um plano de previdência aberta, muitas vezes “enfeitiçado” por promessas da Instituição Financeira para a qual os recursos serão portados, de possibilidade de resgates, melhores aplicações, taxas mais atrativas, etc.
Ocorre que, toda essa expectativa de reaver os recursos investidos cai por terra quando da tentativa de resgate junto à respectiva Instituição Financeira para a qual os recursos foram portados, que, mesmo se tratando agora de um benefício gerido por entidade aberta, tais Instituições se utilizam de forma indiscriminada e genérica do regramento previsto no art. 14, §4º da Lei Complementar nº 109/20012, In verbis:
Art. 14. Os planos de benefícios deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador:
(…)
1 A PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA: ALGUNS ELEMENTOS ESTRUTURADORES, A CONTRATUALIDADE DE SUAS RELAÇÕES, A INDEPENDÊNCIA PATRIMONIAL DOS PLANOS DE BENEFÍCIOS E A COMPETÊNCIA GOVERNAMENTAL PARA
A SUA FISCALIZAÇÃO. Rodrigues, Flávio Martins. Artigo; out. 2006; Disponível em: https://www.bocater.com.br/wp- content/uploads/2013/10/artigo-2006-11.pdf; Acesso em: 22 de maio de 2021.
2 BRASIL. Lei Complementar nº 109/2001. Brasília, DF, 2001.
§ 4o O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quando efetuado para entidade aberta, somente será admitido quando a integralidade dos recursos financeiros correspondentes ao direito acumulado do participante for utilizada para a contratação de renda mensal vitalícia ou por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, limitado ao mínimo de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador. (…)
Assim, sem qualquer transparência ou informação adequada ao Consumidor por parte de tais Instituições Financeiras (que oferecem a portabilidade dos recursos advindos de Entidades fechadas), o Beneficiário, após o transcurso do prazo de carência previsto no Plano Gerador de Benefício Livre, ao solicitar o resgate de seus recursos, se vê diante da negativa do Banco, que recorrentemente aduz a impossibilidade e resgate de recursos advindos de Entidades fechadas, mas tão somente a opção de conversão em renda por período mínimo não inferior a 15 (quinze) anos.
Contudo, como dito anteriormente, tal “interpretação” levada a efeito por Bancos e demais Instituições financeiras para não autorizar a liberação dos recursos do Beneficiário, é completamente equivocada e ignora por completo a correta hermenêutica da Lei Complementar nº 109/2001, que deve ser analisada de forma sistemática.
Basta uma análise atenta do artigo nº 14, §4º da LC nº 109/2001, concomitantemente com os demais artigos, para se concluir que o referido parágrafo se refere tão somente ao inciso II, aplicando-se, portanto, apenas à portabilidade, e não ao resgate.
Melhor explicando, a Lei Complementar nº 109/2001 distinguiu de modo claro a portabilidade de plano para outro do resgate:
Art. 14 – Os planos de benefício deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizados (…). xxxx
- – portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano;
(grifos nossos)
- – resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, descontadas as parcelas do custeio administrativo, na forma regulamentada. (grifos nossos)
4º – O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quando efetuado para entidade aberta, somente será admitido quando a integralidade dos recursos financeiros correspondentes ao direito acumulado do participante for utilizado para a contratação de renda mensal vitalícia ou por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, limitando ao mínimo de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
Outrossim, para que não restasse qualquer sombra de obscuridade, o Legislador cuidou de ser suficientemente didático:
Art. 15 – Para efeito do disposto no inciso II do caput do artigo anterior, fica estabelecido que:
- – a portabilidade não caracteriza resgate. (…)
Portanto, uma vez diferenciada a portabilidade do resgate para os fins da Lei Complementar nº 109/2001, fica claro que o resgate dos recursos, mesmo que portados de entidades fechadas, trata-se de direito potestativo do Beneficiário, e nos mesmos termos se manifesta a remansosa jurisprudência Pátria. Ipsis Litteris:
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PGBL. RESGATE. SENTENÇA DE
PARCIAL PROCEDÊNCIA. APELO DA RÉ. 1. A apelante constitui-se em entidade aberta de previdência complementar, incidindo as normas de direito do consumidor, na forma da súmula nº 563 do STJ. 2. Consumidora realizou em 2015 portabilidade do seu plano de previdência privada e agora pretende resgatar os valores referentes à sua contribuição. 3. Rejeição da alegação de sentença extra petita. 4. O Regime de Previdência Complementar é regulado pela Lei Complementar nº 109/2001 que permite em seus artigos 14, inciso III e 27 o resgate pelo participante das suas contribuições. 5. Não há como acolher a alegação de que em razão da portabilidade o prazo de carência para resgate é de 15 anos. A regra prevista no art. 14, § 4º da LC nº 109/01 refere-se às condições para a renda a ser auferida pelo beneficiário e não para o resgate das contribuições. Tal regramento prevê que, ao realizar a portabilidade do plano de previdência privada, o plano a ser contratado deve ser para recebimento de renda mensal vitalícia ou renda mensal por prazo determinado, neste último caso por período mínimo de 15 anos. 6. Falha na prestação do serviço. Existência de dano moral. Valor arbitrado de R$5.000,00 que observou o princípio da razoabilidade e não merece redução. Recurso conhecido e improvido, nos termos do voto do Desembargador Relator. (TJ-RJ – APL: 00584454420168190002, Relator: Des(a). CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR, Data de Julgamento: 16/07/2019, DÉCIMA
SEGUNDA CÂMARA CÍVEL). (grifos nossos)
APELAÇÃO CÍVEL. RELAÇÃO DE CONSUMO. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. BANCO BRADESCO S/A. PORTABILIDADE DA TEXPREV. NEGATIVA DE RESGATE. VIOLAÇÃO CONTRATUAL. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA. DANO MORAL Página
20 de 23 CONFIGURADO. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. DESPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Insurge-se o apelante contra a sentença que julgou procedente o pedido de resgate dos valores transportados para aplicação em plano de previdência PGBL, condenando também a instituição financeira ao pagamento de indenização por danos morais. 2. Em suas razões recursais, o banco apelante sustenta a impossibilidade de resgate de valor oriundo de fundo de previdência privada fechada, que só poderá ser realizado a partir de 01/04/2021, consoante proposta juntada na defesa. Sustenta, também, a inexistência de danos morais, eis que a seguradora agiu em consonância com as cláusulas contratuais. 3. Na hipótese, não há dúvidas quanto à existência de falha nos serviços prestados, senão vejamos. 4. O contrato celebrado entre as partes refere-se a Plano Gerador de benefício Livre (PGBL), com proposta de inscrição datada de 25/03/2011, com previsão de concessão do benefício aos 01/04/2021. Já com relação ao período de carência, que é coisa diversa, observa-se nas Declarações do Proponente que a cláusula segunda permite a solicitação dos resgates a partir do 60º dia da inscrição, observado o intervalo mínimo de 60 (sessenta) dias entre os resgates e portabilidade, consoante item 2 do referido documento. 5. Nesse sentido, foi solicitado o resgate do valor aplicado com a devida observância do período de 60 (sessenta) dias mencionado na apólice contratual, eis que, segundo narrado na inicial, o requerimento de levantamento dos valores investidos foi realizado somente aos 27/07/2017, fato este não contestado pelo réu. 6. Saliente-se que o fundo intitulado PGBL permite o resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, na forma do art. 14, III, da LC 109/2001. 7. Logo, afigura- se inequívoco o descumprimento contratual, estando correta a sentença que determinou a liberação da integralidade dos valores de titularidade do demandante, ressalvada a eventual incidência de tributos. 8. Com relação ao dever de indenizar, melhor sorte não socorre ao apelante, sendo igualmente devida a condenação imposta a título de danos morais. Como bem ressaltado pelo Magistrado sentenciante, embora a questão verse sobre descumprimento do contrato, as consequências da falha do réu extrapolam o conceito de mero inadimplemento contratual, pois o autor foi impedido de resgatar valores de sua propriedade, sem justificativa legal ou contratual, causando-lhe frustração de justa expectativa, já que impedido de dispor da quantia para outros destinos. 9. Sendo assim, a sentença deu a correta solução à lide e merece ser mantida. Desprovimento do recurso. (TJ-RJ – APL: 03040422120178190001, Relator: Des(a). BENEDICTO ULTRA ABICAIR, Data de Julgamento: 10/07/2019, SEXTA CÂMARA CÍVEL). (grifos nossos)
APELAÇÃO CÍVEL. PLANO DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. PRETENSÃO DE RESGATE POSTERIOR A PORTABILIDADE. NEGATIVA. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. ENTIDADE ABERTA DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. INCIDÊNCIA DAS NORMAS
DE DIREITO DO CONSUMIDOR. SÚMULA Nº 563 DO STJ. O Regime de Previdência Complementar é regulado pela Lei Complementar nº 109/2001 que permite em seus artigos 14, inciso III e 27 o resgate pelo participante das suas contribuições. Não há
como acolher a alegação de que em razão da portabilidade o prazo de carência para Página 11 de 13 resgate é de 15 anos. A regra prevista no art. 14, parágrafo 4º da LC nº 109/01 referese às condições para a renda ser auferida pelo beneficiário e não para o resgate das contribuições. Tal regramento prevê que, ao realizar a portabilidade do plano de previdência privada, o plano a ser contratada deve ser para recebimento de renda mensal vitalícia ou renda mensal por prazo determinado, neste último caso por período mínimo de 15 anos. Falha na prestação do serviço. Retenção indevida do patrimônio alheio. Consumidora privada de usufruir de quantia que lhe pertence em momento de grande necessidade. Danos morais configurados. Valor arbitrado em R$10.000,00 que não merece redução. Recurso desprovido. (TJ-RJ – APL: 00584410720168190002, Relator: Des(a). VALÉRIA DACHEUX NASCIMENTO, Data de Julgamento: 16/04/2020, DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL). (grifos nossos)
PREVIDÊNCIA PRIVADA. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. Contribuinte que
transferiu os recursos, de entidade fechada para entidade aberta de previdência privada, mediante termo de portabilidade. Pedido de resgate da reserva financeira formada. Possibilidade. Regulamento do plano de benefícios que admite a opção, após o prazo de carência de 60 dias. Recurso provido. (TJ-SP – AC: 10613299420178260100 SP 1061329-94.2017.8.26.0100, Relator: Milton Carvalho,
Data de Julgamento: 25/10/2018, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/10/2018).
PREVIDÊNCIA PRIVADA. Ação de rescisão de contrato cumulada com devolução de quantias pagas. Sentença de improcedência. Interposição de apelação pelo autor. Relação jurídica disciplinada tanto pela Lei Complementar nº 109/2001, que trata sobre o Regime de Previdência Complementar, como pelo CDC. Súmula nº 563 do C. STJ. Controvérsia acerca da possibilidade de o autor efetuar o resgate das contribuições vertidas ao seu plano de previdência privada, que foi objeto de portabilidade de entidade de previdência complementar fechada para entidade aberta. Regulamento do plano de previdência privada oferecido pela ré prevê expressamente a possibilidade de resgate das contribuições pagas após o cumprimento do prazo de carência. Fornecedora ré que fica vinculada ao serviço ofertado. Inteligência do artigo 30 do CDC. Conduta da ré de impedir o autor de resgatar as contribuições pagas não se afigura legítima, uma vez que ela livremente assumiu obrigação contratual em sentido contrário. Impossibilidade de suprimir o direito de o autor resgatar as contribuições vertidas ao seu plano de previdência privada, pois ele optou por realizar a portabilidade sem saber da impossibilidade de resgaste e munido de boa-fé. Reconhecimento do direito do autor de resgatar as contribuições pagas na forma prevista no regulamento do plano de previdência privada firmado com ré é medida que se impõe, em respeito à regra do pacta sunt servanda. Resgate integral das contribuições pagas que implica o automático desligamento do plano, não havendo necessidade de declaração judicial de rescisão de contrato, o que fica observado. Reforma da r. sentença. Apelação provida, com observação. (TJSP; Apelação 1003957- Página 23 de 25 12.2014.8.26.0451; Rel. Carlos Dias Motta; 29ª Câmara de Direito Privado; j. 08/06/2018) (grifo não original). EMENTA: APELAÇÃO. PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. PORTABILIDADE DO SALDO ACUMULADO PARA ENTIDADE
ABERTA. PRETENSÃO DE RESGATE. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO NORMATIVA EXPRESSA. VIOLAÇÃO AO DEVER DE INFORMAÇÃO. BOA FÉ NEGOCIAL. RESTRIÇÃO NÃO COMUNICADA DE FORMA VÁLIDA. 1- As normas legais
(em especial os arts. 14 e 27 da LC n° 109/2001) e regulamentares (editadas pela SUSEP) não vedam o resgate de contribuição vertida pelo participante em vista da ocorrência anterior de portabilidade de plano de previdência complementar fechada para aberta. 2- Ainda que fosse possível admitir, em tese, o impedimento ao resgate, tal restrição deveria vir expressa (tanto no termo de portabilidade como no regulamento do novo plano) de forma clara e precisa, de modo a cumprir com o princípio da boa fé objetiva, em especial os vetores da cooperação e lealdade, situação não encontrada na hipótese julgada. APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.12.266035-0/003 – COMARCA DE BELO HORIZONTE – APELANTE(S): ANTÔNIO ALBERTO FRÓES SCHETTINO – APELADO(A)(S): BANCO SANTANDER (BRASIL) S/A.
Cabível ainda a transcrição de um trecho do Acórdão proferido nos autos do processo nº 0004853-51.2010.8.26.0568, pela 5ª Câmara de Direito Público do Tribunal de São Paulo, In verbis:
(…) Assim, mostra-se desarrazoado, desproporcional e ilegal a exigência do transcurso do prazo de 15 anos para que o ex-contribuinte possa reaver os valores até então pagos.
Não há justificativa atuarial bastante que permita esta interpretação, tampouco fundamento legal para tanto. A interpretação da apelante é distorcida, e não se sustenta a uma olhadela da lei e do regulamento específicos.
A Lei Complementar nº 109/2001, que dispôs sobre o regime de previdência complementar, distinguiu de modo claro a portabilidade de plano para outro do resgate:
Art. 14 – Os planos de benefício deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador (. ).
- – portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano;
- – resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, descontadas as parcelas do custeio administrativo, na forma regulamentada.
4º – O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quando efetuado para entidade aberta, somente será admitido quando a integralidade dos recursos financeiros correspondentes ao direito acumulado do participante for utilizada para a contratação de renda mensal vitalícia ou por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, limitando ao mínimo de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
Ou seja, este parágrafo refere-se ao instituto de que trata o inciso II. Aplica-se, portanto, à portabilidade, não ao resgate.
Para arrostar sobejasse qualquer sombra de obscuridade, legislador cuidou de ser didático o bastante:
Art. 15 – Para efeito do disposto no inciso II do caput do artigo anterior, fica estabelecido que:
- – a portabilidade não caracteriza resgate. E mais adiante, no artigo 27 deste mesmo diploma: § 1 o A portabilidade não caracteriza resgate. Do resgate cuidou ainda a Resolução CGPC nº 06/2003: Art. 19 – Entende-se por resgate o instituto que faculta ao participante o recebimento de valor decorrente do seu desligamento do plano de benefícios. Nesta faculdade imbrica-se o direito potestativo do autor, ao qual se sujeita a apelante. Restituição que deve ser ainda corrigida, nos termos da Súmula nº 289 do Eg. Superior Tribunal de Justiça: A restituição das parcelas pagas a plano de previdência privada deve ser objeto de correção plena, por índice que recomponha a efetiva desvalorização da moeda. (grifos nossos). (…)
Da mesma forma entendeu a Segunda Turma do Colégio Recursal dos Juizados Especiais do Estado do Espírito Santo, quando do julgamento do processo nº0013753- 44.2020.808.0545, cujo trecho do Acórdão segue abaixo transcrito:
(…)
Verifica-se que o juízo a quo ajustou de forma correta a situação fática à legislação vigente, dando solução adequada à questão controvertida.
Efetivamente, segundo o regulamento do Plano Gerador de Benefício Livre fornecido pelo Recorrente, após cumprida a carência de que trata o art. 42, que é de 60 dias, permite-se ao participante solicitar o resgate total ou parcial de recursos do saldo da provisão matemática de benefícios a conceder.
Não subsiste, pois, a alegação restrição normativa, devidamente afastada na sentença. É certo que o §4, do art. 14, da Lei Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar e dá outras providências, não pode ser invocado, no caso dos autos, para impedir o resgate.
Referido dispositivo diz respeito ao inciso II, que disciplina a possibilidade de portabilidade. O direito ao resgate encontra-se no inciso III, não sendo atingido, portanto, por tal restrição. Verbis:
Art. 14. Os planos de benefícios deverão prever os seguintes institutos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador:
- – portabilidade do direito acumulado pelo participante para outro plano;
- – resgate da totalidade das contribuições vertidas ao plano pelo participante, descontadas as parcelas do custeio administrativo, na forma regulamentada;
e§ 4º O instituto de que trata o inciso II deste artigo, quando efetuado para entidade aberta, somente será admitido quando a integralidade dos recursos financeiros correspondentes ao direito acumulado do participante for utilizada para a contratação de renda mensal vitalícia ou por prazo determinado, cujo prazo mínimo não poderá ser inferior ao período em que a respectiva reserva foi constituída, limitado ao mínimo de quinze anos, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
Inclusive, no site da Susep (www.susep.gov.br) há informação ao consumidor que “para portabilidade o período de carência é de 60 dias a partir da contratação. O próprio Regulamento do Plano PGBL e arts. 19 e 27 da Circular SUSEP nº 338/2007. Cumprido o prazo de carência, ao ser solicitado o resgate, seu cálculo será realizado no 2º dia útil posterior à data determinada pelo participante”.
Com efeito, concordo com o MM. Juiz prolator da sentença de que resta configurada a ocorrência de ato ilícito praticado pela Recorrente e que, no caso concreto e dado as circunstâncias relatadas na inicial, são aptas a ensejador de danos morais em desfavor do Recorrido.
(…)
Conclusão
Portanto, mais uma vez reitera-se, inexiste na Legislação competente, especialmente na Lei Complementar nº 109/2001, vedação ao resgate de contribuições pelo Participante em vista da ocorrência anterior de portabilidade de previdência complementar fechada para aberta.
E, o §4 do art. 14, da Lei Complementar nº 109/2001, que dispõe sobre o Regime de Previdência Complementar não pode ser invocado para impedir o resgate dos recursos do Beneficiário, e sua utilização indiscriminada e descontextualizada por Instituições Financeiras configura flagrante ato ilícito, o que a melhor jurisprudência já tem afastado, de modo a reconhecer o direito ao resgate.
Hannah Krüger Rodor Fontana é advogada do escritório Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados. Pós-graduanda em Direito Tributário. Com curso de especialização em Lei Geral de Proteção de Dados pelo Insper.
E-mail: hannah.kruger@drn.adv.br
André Cogo Campanha é advogado do escritório Da Luz, Rizk & Nemer Advogados Associados. Especialista em Direito do Consumidor.
E-mail: andre.campanha@drn.adv.br
Sugestão de nota (Informativo Migalhas):
DA POSSIBILIDADE DE RESGATE DE RECURSOS PORTADOS DE PLANOS DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS DE ENTIDADES FECHADAS PARA ENTIDADES ABERTAS
A correta interpretação da Lei Complementar nº 109/2001 permite ao Beneficiário de plano de previdência complementar, cujos recursos foram portados de entidades fechadas para abertas, de resgatar seus investimentos após período de carência previsto em contrato firmado entre as partes.